O parecer deste conjunto de docentes  universitários, investigadores e colaboradores do MED - Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento,  da Universidade de Évora é-nos especialmente grato, por ser uma iniciativa científica que sai da Universidade em resposta a uma necessidade concreta da sociedade.

Que bom seria que outros setores da academia se manifestassem, sempre que há intervenções de alto risco em perspetiva!

Independentemente de organizações específicas dentro da Universidade, seria excelente ter visto estudiosos de História, de Recursos Hídricos, de Engenharias, de Saúde, de Economia, entre outros, saírem das rotinas das salas de aula e dizerem ao mundo em que é que projetos deste tipo colaboram para o nosso presente e para o nosso futuro, nas suas áreas de especialidade, com dados, interpretações, dúvidas e problemas que ajudassem as pessoas a entender o que está em jogo, a cada momento.

As empresas mineiras vão continuar a fustigar o território com tentativas de exploração. Os técnicos e cientistas que se preparem, se não querem ser apanhados “de surpresa” ou “sem tempo” para avaliarem o que poderia/deveria ter sido a sua prestação sobre novos pedidos.

Por seu turno, seria bom que a DGEG alargasse os seus pedidos de pareceres prévios a institutos e outros observatórios com atividade no território de cada pedido. Tal como aconteceu com a retirada de Alcácer do Sal do âmbito do pedido “Montemor”, muitas outras zonas deveriam ser imediatamente tornadas exceções de atuação Áreas de Exclusão, antes de irem a consulta pública.

O parecer integral está AQUI. Destacamos apenas as conclusões.

Apreciação do pedido de prospeção e pesquisa de minerais

Em primeiro lugar, a documentação apresentada não se coaduna com as especificidades necessárias para uma correta avaliação dos potenciais impactos decorrentes da prospeção. O projeto está escrito numa linguagem técnica de engenharia, usando frequentemente acrónimos (p. ex., análise ICP, sondagem RC, sondagem DD, LER), que não são do conhecimento geral e impossibilitam prever a real magnitude das operações a realizar. É ainda vago, não contendo informação suficiente e clara acerca do localização e dimensão dos locais de sondagens; do tipo e magnitude das lamas e outros resíduos produzidos, toxicidade e o destino final; do nível de uso dos recursos hídricos e possíveis usos/interferências com recursos hídricos subterrâneos; dos níveis (credíveis) de ruído produzidos; intensidade e frequência da luz artificial a usar à noite. Esta informação dificulta a análise do documento por não especialistas e a avaliação adequada dos seus efeitos no ambiente em geral e na biodiversidade em particular.

A área a prospetar sobrepõe-se em grande medida às ZEC de Monfurado e Cabrela (esta em menor extensão) e é contígua com a ZPE de Évora. Propõe-se, portanto, intervir numa zona invulgarmente rica em termos de biodiversidade, grande parte incluída na Rede Natura 2000. Apesar disso, a biodiversidade foi grandemente desconsiderada. O documento é omisso relativamente à mesma apesar de conter uma secção relativa à “Proteção do ambiente e sustentabilidade”. Os efeitos no ambiente, e sua possível minimização, são avaliados sobretudo numa perspetiva de afetação direta da componente social, faltando uma análise, em paralelo, sobre os efeitos na biodiversidade e nos sistemas ecológicos, que neste caso se justifica pela enorme relevância que esta tem na área a prospetar.

Na Secção 7 é referido que “A área licenciada foi escolhida intencionalmente para excluir as Áreas Protegidas Especiais ZPE, a fim de minimizar seu impacto ambiental nos ambientes mais frágeis”. Apesar de saudarmos esta posição, esta reflete também o reconhecimento dos impactes das atividades que a empresa pretende desenvolver, afetando a áreas importantes para a conservação da natureza. Assim, por coerência, deveria ter sido utilizado o mesmo critério relativamente às ZEC de Monfurado e Cabrela. Além disso, a zona a prospetar tem fronteira direta com a ZPE de Évora, onde é de prever que mesmo não havendo sobreposição, os valores da ZPE venham a ser afetados pelas atividades de prospeção (ruído, luz, poluição química, uso da água, poeiras, vibrações, etc.) a decorrer na sua periferia. Não bastará a consignação das atividades de prospeção às zonas marginais de áreas classificadas para se considerarem inócuas do ponto de vista ambiental. Deverá ser mantida uma distância dos locais sensíveis e considerar que os impactes e subprodutos gerados têm potencial de propagação para essas mesmas áreas.

Globalmente falta uma estratégia geral que assegure a neutralidade de perdas de biodiversidade, um objetivo estratégico europeu enfatizado em vários documentos oficiais como a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 ou a Diretiva de Avaliação de Impacto Ambiental (2011/92/UE). Na flora e vegetação são apenas referidos uma preocupação com árvores, nomeadamente, o sobreiro e a azinheira, e o restauro (ou antes replantação) para substituição de arbustos potencialmente afetados. Isto é manifestamente insuficiente e denota um desconhecimento dos valores naturais da região, bem como a ausência de medidas de minimização ou mitigação adequadas a cada contexto. Por exemplo, alguns habitats e elementos da flora e vegetação com maior interesse para a conservação existentes na área a prospetar, não se restringem a árvores ou arbustos. Contudo estando legalmente protegidos e sendo prioritários para a conservação, como os habitats 3170* - Charcos temporários mediterrânicos, 6220* - Subestepes de gramíneas e anuais da Thero-Brachypodietea e 91E0*- Florestas aluviais de Alnus glutinosa e Fraxinus excelsior (veja-se Tabela I), requerem medidas ajustadas à reversão dos potenciais danos gerados. A ausência de medidas de minimização e mitigação ajustadas não pode constituir uma liberdade de operação sem ponderar as reais consequências da mesma ou a correta reversão dos impactes.

O plano é completamente omisso em relação à fauna. Particularmente alarmante é a ausência de quaisquer referências a anfíbios, répteis, passeriformes, corujas, morcegos ou mamíferos carnívoros, grupos em que a área é particularmente rica e que se sabe serem negativamente afetados por efeitos ambientais associados à exploração de minerais, como a degradação do habitat, o ruído, a luz artificial (para as espécies noturnas), poluição física e química. Com efeito, estes fatores interferem, de forma negativa nas suas migrações e outros movimentos; padrões de alimentação; ritmos anuais e circadianos, formas de comunicação (Beir 2006, Egea-Serrano et al, 2012, Bunkley et al. 2015, Stone et al. 2015, Maison et al. 2016, Kunc & Schmidt 2019, Erbe et al. 2022, Burt et al. 2023) pondo em causa a viabilidade, a médio e longo prazo, das populações desta região. Acrescenta-se ainda o aumento de mortalidade rodoviária em diversos grupos faunísticos devido à circulação de veículos associados à exploração e que pode ser significativa mesmo em estradas de terra.

Pode argumentar-se que os impactes da prospeção serão localizados e de magnitude reduzida. Contudo, tendo em conta o elevado número de prospeções que se preveem, a extensão da área a prospetar e a malha apertada a que serão realizadas, pelo menos nalguns locais, é de prever a existência de impactes negativos significativos, alguns cumulativos, na biodiversidade, que, mesma apenas nesta fase, se poderão estender para além da zona de impacto.

Adicionalmente, a existência de prospeção pressupõe a intenção de, posteriormente, se passar à exploração se, e só se, a viabilidade económica, também dependente dos mercados, for comprovada. Apesar de não ser conhecido o plano de exploração, é expectável que os impactos anteriormente referidos para a prospeção sejam fortemente amplificados, e sejam acrescidos de outros impactos como a destruição de habitat por desmatação, dos solos por decapagem, alteração de relevo, acumulação de poeiras, ou de subprodutos de exploração que alteram as propriedades físicas e químicas dos solos e recursos hídricos entre outros, que são reconhecidamente irrecuperáveis. Todas estas situações não são compatíveis com a função de conservação para as quais 50% da área de prospeção proposta foi classificada, havendo forte contradição com o enquadramento legal a que a gestão destas áreas está sujeita.

Neste contexto, ponderando que uma situação de exploração é desde já pouco provável, dado todos estes condicionalismos, questionamos se haverá condições que justifiquem que se proceda à prospeção. Acresce a este facto que já existe informação de prospeções passadas sobre a riqueza em ouro. Muitas dessas prospeções foram realizadas na zona da Boa Fé, onde se acredita que haja maior viabilidade económica de exploração, e onde o documento deixa antever que a exploração será particularmente intensa. Esta área é também muito rica em espécies de vários grupos de animais e plantas, muitas delas ameaçadas. O abrigo de morcegos de Importância Nacional Montemor I localiza-se muito perto, estando a zona da Boa Fé incluída no raio de atividade das espécies que ocupam o abrigo. Esta proximidade geográfica implicará com elevada certeza impactos graves e irreversíveis nas colónias das espécies de morcegos que aí se abrigam, que incluem duas espécies com o estatuto de “Em Perigo”, uma espécie com o estatuto de Vulnerável e uma espécie com o estatuto de Quase Ameaçado.

Face ao exposto, o presente parecer é desfavorável relativamente ao requerimento para a atribuição dos direitos de prospeção e pesquisa de depósitos minerais em apreço. Além disso, considera-se que deve ser rejeitada, desde já, qualquer possibilidade de haver exploração mineira, a céu aberto, na área indicada para prospeção.

 

Subscritores do parecer:

António Mira - docente universitário (coordenação)

Anabela Belo - docente universitário

Amália Oliveira - técnica superior

André Oliveira - técnico superior

Ana Sampaio - técnica superior

Carmo Silva - colaboradora

Catarina Meireles - docente universitário

Celeste Santos Silva - docente universitário*

Denis Medinas - investigador

João Tiago Marques - investigador

Luis Guilherme Sousa – colaborador

Nuno M. Pedroso – investigador

Pedro A. Salgueiro – investigador

Pedro Pereira - técnico superior

Ricardo Pita - investigador

Rui Lourenço - investigador

Sara Santos – investigadora

 

*Desta professora, já tínhamos tido oportunidade de publicar um importante estudo sobre Macrofungos, AQUI.