A experiência das minas passadas e presentes permite identificar alguns pontos críticos. Sendo impossível suspender toda a mineração, em todos os sítios, por causa das consequências materiais dessa suspensão universal, há que colocar a cada novo projecto quatro questões:
- O Quê? Que minério / metal ou substância se quer extrair e tratar?
Nem todas as minas têm o mesmo grau de impacto sobre o ambiente, embora a indústria extractiva seja entre todas a mais destrutiva. De que se trata no projeto “Montemor” (“É-M”? De Ouro. Entre todas as minas, as minas de ouro são de longe as mais danosas para o ambiente: maior rácio de "stripping" (deslocação de rochas até atingir o minério), maior taxa de escombros (função dos teores ínfimos do metal no minério), cem a mil vezes os dos "grandes metais". O exemplo extremo é o do ferro: 62% de metal no minério (620 kg de ferro em cada tonelada de minério). No outro extremo, o ouro e os platinóides: entre 1 e 4 gramas por tonelada de minério (~150.000 vezes menos que o ferro) nas minas de céu aberto (caso do projecto "É-M") . Daí que requeira processamentos milhares de vezes maiores porque a taxa de concentração a obter é muito superior a x2000. E portanto um volume (ou uma massa) de escombros ("estéreis") e "rejeitados" milhares de vezes superior. Acresce a necessidade, quase exclusiva da exploração do ouro, de utilização de um elenco de produtos químicos altamente tóxicos (cianetos, ácidos, etc.), que nunca são totalmente eliminados ou retidos de modo seguro.
- Onde? Imóvel de trinta andares na Praça do Giraldo, ou num subúrbio de Toronto? se fosse aí seria caso a estudar: porque não? Pois: o projecto de mina "É-M" está a menos de 10 km de Évora, Património Mundial (e diga-se passagem, património vivo da colectividade que habita a cidade e o seu entorno imediato) e de Montemor-o-Novo cujo valor não é menor. Num meio natural/humanizado de grande valor (montado antigo). Esse projecto, situado numa das centenas de cidades-fantasma e dos milhares de sítios mineiros abandonados umas e outros pela indústria mineira nos EUA, seria porventura menosescandaloso - se bem que nunca inócuo?
- Como? As minas a céu aberto são, comparadas com as minas subterrâneas, as que causam os maiores danos e riscos ambientais. A devastação de grandes espaços incluindo mas ultrapassando largamente a superfície das "cortas" é inevitável (nunca foi evitada em sítio algum). A poluição química do ambiente é sempre maior (efluentes, poeiras). O armazenamento dos chamados "estéreis" é sempre problemático: ainda mais quando contêm sulfuretos (o que é o caso do subsolo de "É-M") que, expostos à lessivagem pelas chuvas, produzem "drenagem ácida" ("Acid mine drainage" ou AMD - ácido sulfúrico carregado com os metais pesados que dissolve). Que, uma vez lançada, é potencialmente "eterna", diz quem sabe. Os "Rejeitados" ("Tailings") estão na origem de catástrofes que todos pensavam terem-se tornado impossíveis com o progresso técnico, e continuam a ocorrer. Inclusive na "exigente" Europa. Mau "negócio" para a colectividade. Etc.
- Porquê? Ou para quê?
Não é por esta questão ser a last que é a least! Para cada metal, o cálculo da utilidade humana é diferente. Opõem os defensores da indústria extractiva em geral, os exemplos incómodos (porque nos colocam perante a nossa incoerência), do cobre e do lítio. Computadores, telemóveis e outros aparelhos de uso quotidiano massivo, não poderiam existir (no estádio actual da tecnologia), sem cobre e sem baterias de lítio. Certo. E é possível que a "pegada material" desses bens os torne completamente insustentáveis (impossíveis) num horizonte de meio-século. social
Mas o que cria a súbita "urgência" na exploração do lítio é a electrificação dos transportes (primeiro individuais). Querem debater a fundamentação desse processo? Ok, é um debate útil e necessário. Salvo que neste caso é de Ouro que se trata. O "para quê" é respondido pelas utilizações do metal existente e a extrair.
Para que serve o Ouro? Consoante as fontes, a joalharia consumiria entre 48,5 e 51%; os "bullion" (lingotes, aforro, "investimento") entre 36,4 e 37,7%; o que deixa entre 7 e 9% para "moedas e medalhas" e entre 4 e 7% para "tecnologia".
Algumas fontes de apoio a investidores, consideram mesmo que cerca de 80% do ouro hoje a ser extraído vão ser destinados à joalharia...
Nada nestes dados justifica os danos irreparáveis que são causados por todo o mundo pela exploração mineira do ouro. Nem os justificaria, de modo nenhum, num local como o que está a ser cobiçado pelos obscuros personagens das minas de ouro. Cujo "perfil" económico, financeiro e criminal é mais que inquietante. Mas vamos ficar por aqui... por agora.
A mina de "Montemor" não se justifica, repito: assinar a petição que procura impedi-la é o menos que se possa honestamente fazer.
José Rodrigues dos Santos
Investigador Integrado do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades- CIDEHUS (Universidade de Évora)