Componentes vitais

 

O pedido de atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de depósitos minerais de cobre, chumbo, zinco, ouro e prata (área n.º MNPPP554 e a denominação “Montemor-o-Novo”) incide sobre uma área que engloba Zonas Especiais de Conservação (ZEC), designadas ao abrigo da Diretiva Habitats (n.º 92/43/CEE) e classificadas na Rede Natura 2000. Desconhecendo-se em concreto o modo e locais das ações de prospeção e pesquisa, mas sobretudo perspetivando a sua finalidade, a de proceder à exploração dos depósitos minerais acima referidos, é expectável que inúmeras espécies de Flora, Fauna e Funga poderão ser postas em risco, sem que nenhum motivo imperioso o justifique.

Nomeadamente, a riqueza de macrofungos (fungos produtores de cogumelos) das áreas a intervencionar é elevada e reconhecida a nível da região [1, 2], na qual se desenvolvem há muito diversas atividades académicas e científicas (teses, trabalhos de licenciatura, projetos acarinhados pela CMM, projetos com proprietários locais) e inúmeras ações de divulgação e sensibilização para o Reino dos Fungos (ex: Passeios micológicos, Palestras, Exposições, etc.).

A presença de inúmeras espécies produtoras de cogumelos comestíveis, como Boletos, Amanitas-dos-Césares, Cantarelos, Púcaras, etc. torna a região atraente para os coletores, profissionais e amadores, que procuram estes cogumelos. Sabendo-se que inúmeras espécies de macrofungos produtores de cogumelos comestíveis são bioacumuladoras [3, 4] esta atividade poderia tornar-se impraticável, com evidentes consequências nefastas na fileira económica dos cogumelos silvestres comestíveis. Situação que teria de ser confirmada com a análise química dos cogumelos para impedir graves danos na saúde pública.

Com mais de uma centena de espécies de macrofungos existentes na região, seriam os micorrízicos, que se ligam às raízes das árvores numa relação mutualista, os que mais sofreriam com a mineralização na zona, com consequências nefastas para a sanidade dos povoamentos vegetais e do ambiente em geral. Sabe-se que as mobilizações do solo afetam este grupo trófico [5] durante longos períodos de tempo, tardando os macrofungos micorrízicos a recuperar destas perturbações. E que por outro lado, alterações no coberto vegetal influenciam a riqueza específica de fungos micorrízicos [6]. Ora os serviços de ecossistema prestados por estes organismos são fundamentais para a manutenção da biodiversidade e do equilíbrio das diversas cadeias tróficas [7], e entre muito serviços prestados destacam-se: a reciclagem de nutrientes, a formação e manutenção do arejamento e teor hídrico do solo [8, 9] e o sequestro de carbono [10].

Em conclusão, os macrofungos são componentes vitais dos ecossistemas, contribuindo significativamente para a sua saúde e resiliência das árvores. Por conseguinte, a permissão de práticas não sustentáveis do solo, como a prospeção mineira, que alterem a cobertura arbórea e comprometam a diversidade fúngica, poderão pôr em risco as áreas intervencionadas e impedir que os montados continuem a proporcionar serviços ecossistémicos vitais e valores culturais únicos para as gerações futuras

  1. Pinto-Correia T. et al. 2018. Progress in identifying High Nature Value montados: impacts of grazing on hardwood rangeland biodiversity. Rangeland Ecology and Management, 71(5): 612-625. Doi: 10.1016/j.rama.2018.01.004.
  2. Santos-Silva (coord.) C. et al. 2009-2010. Ouro Verde, identificação de macrofungos em áreas de montado com diversas tipologias de coberto vegetal. Relatório do estudo realizado para a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo,.
  3. Orywal K, Socha K, Nowakowski P, Zoń W, Kaczyński P, Mroczko B, Łozowicka B, Perkowski M. 2021. Health risk assessment of exposure to toxic elements resulting from consumption of dried wild-grown mushrooms available for sale. PLoS One. Jun 23;16(6): e0252834. Doi: 10.1371/journal.pone.0252834.
  4. Senila M, Resz MA, Torok I, Senila L. 2024. Nutritional composition and health risk of toxic metals of some edible wild mushrooms growing in a mining area of Apuseni Mountains, Western Carpathians. Journal of Food Composition and Analysis, 128, 106061. Doi:10.1016/j.jfca.2024.106061.
  5. Santos-Silva C. & Louro R. 2016. Assessment of the diversity of epigeous Basidiomycota under different soil-management systems in a Montado ecosystem: a case study conducted in Alentejo. Agroforestry Systems, 90(1): 117-126. Doi: 10.1007/S10457-015-9800-3.
  6. Santos-Silva C., Gonçalves A., Louro R. 2011. Canopy cover influence on macrofungal richness and sporocarp production in Montado ecosystems. Agroforestry Systems, 82(2): 149-159. Doi: 10.1007/s10457-011-9374-7
  7. Simard S.W., Perry D.A., Jones M.D., Myrold D.D., Durall D.M., Molina, R. 1997. Net transfer of carbon between ectomycorrhizal tree species in the field. Nature, 388(6642): 579-582. DOI: 10.1038/41557
  8. Smith S.E., Read D.J. 2008. Mycorrhizal Symbiosis. Academic Press.
  9. Rillig M.C., Mummey, D.L. 2006. Mycorrhizas and soil structure. New Phytologist, 171(1): 41-53. DOI: 10.1111/j.1469-8137.2006.01750.x
  10. Clemmensen K.E., Bahr A., Ovaskainen O., Dahlberg A., Ekblad A., Wallander H., Stenlid J., Finlay R.D., Wardle D.A., Lindahl, B.D. 2013. Roots and associated fungi drive long-term carbon sequestration in boreal forest. Science, 339(6127): 1615-1618. DOI:10.1126/science.1231923

Celeste Santos e Silva (PhD)

Bióloga